terça-feira, 30 de outubro de 2007

Vamos?


Um menino andava sozinho pela cidade natal. Ele achava que, cavucando os não-lugares do espaço e da memória, acharia o que há de lirismo nas coisas.

Uma menina andava sozinha pela cidade não-tão-estranha-assim. Ela achava que, sublimando a realidade objetiva e suas contradições, encontraria um conforto para sua alma inquieta e para o seu grande coração.

Quando se encontraram, ela disse: "Me empresta as tuas lembranças mais ternas da cidade para que eu possa me encontrar dentro dela?"

Ele respondeu: "Claro, mas cuidado com os não-lugares!"

"Não-lugar? O que é isso?"

"São lugares sobre os quais memória alguma imprimiu o contorno de um lápis e as cores de aquarelas."

"Hum... Impossível não cruzar com eles por aí..."

"Verdade, mas minha intenção não é bem desviar deles: quero sim mergulhar nesses espaços em busca de cores escondidas. Quero livrá-los de tanto cinza!"

"Ora, mas para quê? Aceita o cinza como uma transição entre cores..."

Os olhos do menino se arregalaram e um novo mundo se descobriu para ele. Quando abria a boca para dizer algo, a menina convidou:

"Vamos velejar pela cidade? Você me mostra as coisas bonitas e eu te digo que elas são eternas!"

Na plenitude do momento, ele respondeu:


"Sim, vamos!".

domingo, 28 de outubro de 2007

Pílula

(Sighs)

Ah...

Ploc: glub, glub.

Gluuup.

Ah...

(Sighs)

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Terças menores

[You may tire of me as our December sun is setting because I'm not who I used to be. No longer easy on the eyes, but these wrinkles masterfully disguise the youthful boy below.]

Ela sabia claramente que não estava em um sonho porque, nos sonhos, os sentimentos não são divididos. Pode haver dúvida em um sonho, mas ela é em si o sentimento como um todo.

No entanto o cenário colaborava: mesas vazias, folhas de meia-estação caídas no chão, um fim de tarde pouco exemplar, friozinho que anunciava garoa no dia seguinte. Tudo parecia um sonho.

Tudo parecia um sonho, menos a angústia que ela sentia - que é típica daqueles que vivem. Uma angústia de estrutura cíclica, que crescia de dentro do mais fundo Eu e chegava a se materializar em forma de soluço. Uma angústia que irradiava fragmentações: a angústia era em si a repartição da alma, que se olhava no espelho e sentia a separação entre o seu Ser real e a sua imagem refletida.

[But now he lives inside someone he does not recognize when he catches his reflection on accident.]

Essa angústia era com certeza um acorde: o desarranjo de uma terça menor que, no velho piano da sala de estar, tocava sempre a mesma tecla, formando uma melodia repetitiva... e linda. A cada nota, o significado crescia até irromper num acorde; numa lágrima.

Ela sabia que nada havia mudado: que continuava a ser aquela garota que sonhava em se libertar do chão para fundir seu corpo aos sentimentos mais puros que havia dentro dela. Seu coração continuava a ser uma janela, apenas uma passagem para o mundo lá fora.

[On the back of a motor bike with your arms outstretched, trying to take flight, leaving everything behind. But, even at our swiftest speed, we couldn't break from the concrete in the city where we still resigned.]

Mal sabia ela que não se compõem canções durante o sono.

Mal sabia ela que almas sem projeção no espelho não criam terças menores.

Mal sabia ela que sentimos uma angústia que nos quebra em pedaços porque estamos arrancando de nós mesmos a melodia a ser escrita.





Ela não sabe que seu coração percebe tal processo de composição. Ele sim tem consciência de que é essa melodia que nos puxa com uma cordinha, fazendo-nos sentir que, enfim, estamos deixando o chão.

[Cause now we say goodnight from our own separate sides, like brothers on a hotel bed.]

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Vida-Morte-Vida




Com calma, a tarde anunciava "é o meu fim". Eu tinha, então, poucos minutos para alçar aos céus a pipa que havia preparado durante todo o dia. O sol se escondia no oeste e eu corria para o leste, soltando a linha aos poucos; aquela coisa tão frágil, feita de papel e varetas, gradativamente ganhava sua autonomia e, à medida que subia, os tons de laranja colocavam aura na minha criação.
A sensação era exatamente esta: com a pipa lá em cima, eu sentia como se o mundo reinvidicasse algo que lhe pertencia. O meu instinto era de dar cada vez mais linha, postergando a inevitável tensão. A linha, enfim, chegou ao fim, explicitando um conflito que lhe era intrínseco. Lá em cima, a pipa parecia ignorar aquilo que a segurava e toda essa querela que a envolvia: ganhava cores cada vez mais inusitadas com o recolher do sol.
Enfim, ficou escuro. Olhava para a pipa, mas tinha dificuldade em vê-la. Sentia que ela ainda estava lá, afinal a linha denunciava a sua vontade de ir embora. Ao procurá-la novamente, sentia que ela me dizia: "Deixe-me ir, o mundo agora me deu algo que você não consegue mais entender...". Ela tinha razão; ela ainda tinha uma aura, mas esta já estava além da minha percepção.
Foi nesse momento que compreendi que toda tensão é um anseio por libertação. E toda libertação anseia por cores que não conseguimos ver.
Carinhosamente soltei a linha e senti a pipa escapar de mim e ir de encontro ao mundo.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Continuação

Como resultado do meu último post, surgiram muitas respostas. Selecionei aqui as que mais contribuem para a continuidade da discussão e resolvi postá-las para dar mais visibilidade à discussão assim como as respostas dos outros.

PS: Faustina, ainda aguardo a sua resposta!

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Andréa

Não sei se entendi tudo, aliás, tenho quase certeza que não (heheh)! Mas alguma coisa, sim, e, do que pude entender, achei teu texto bom. E bem, corrija-me se no que eu escrevo há algo que seja fruto de minha má compreensão.

Bom, tenho a impressão que há um acordo sobre a natureza do que se denomina “motor da história”, quero dizer, suponho que todos concordam ou concordaram que o que move a história não é alheio aos seres humanos, que a história é por excelência um produto das relações sociais, nas quais um componente subjetivo existe, necessária e essencialmente. Com isso quero dizer que, sim, penso que seja certo dizer que relações sociais não são concretas, no sentido que elas não existem como algo material ou materialmente perceptível. É evidente que as relações sociais não têm existência física e que, sendo relações, pressupõem mais de uma pessoa para que aconteçam num determinado tempo e espaço. Do que se diria, então, por decorrência lógica, as relações são um acontecimento do instante. Ok.

Mas há umas coisas que não entendo ou, pelo menos, não teria tanta certeza em afirmar. A primeira, o que se entende por realidade. Porque se “a realidade das coisas se resume ao fato de que suas aparições e suas manifestações não dependem do meu ser; ou seja, sua existência está ligada a uma razão que não depende do meu bel-prazer” - e eu entender, conforme se parece querer dizer, por ‘o que depende do meu ser’ como algo que é subjetivo - então, por decorrência lógica do que foi dito, as relações sociais não existem ou não são reais. Contudo, por mais que eu tente, não consigo achar que só o materialmente existente seja real. Para mim, o fato das relações serem efêmeras não quer dizer que não existiram, que não foram reais enquanto estavam acontecendo. Exemplifico: um professor estabelece um tipo de relação com seus alunos durante uma aula; essa relação, que envolve a subjetividade dos alunos e do professor, ainda que não necessariamente implique o que se chamou de consciência reflexiva, é real, está existindo, enquanto dura a aula. E, se isso é verdade, um tipo de relação existe enquanto for reproduzido, quero dizer, por exemplo, a escravidão não existe porque não acontece mais, ainda que tenha sido real, existente, num determinado espaço e tempo passado. Isso é o que me permitiria dizer que ao longo de toda a história do Brasil colônia e do Brasil Império a escravidão existiu, que esse tipo de relação social era uma realidade.

E, por conseqüência dessa minha forma de ver as relações como realidade, teria mais cautela ao afirmar que “Tal realidade e suas manifestações fenomenológicas têm necessariamente que se conectar de maneira transcendente, senão tais manifestações se fechariam sobre a maneira subjetiva através da qual somos afetados”. Quer dizer, entendo que através das relações que estabelecem entre si os homens compõem parte da realidade, transformando-a ou reproduzindo-a. Noutras palavras, ainda que a realidade do mundo físico exista de forma independente aos seres humanos, estes podem atuar sobre esse mundo físico, criando uma outra realidade pelas relações que estabelecem com esse mundo físico e, não apenas assim, mas também pelas relações que estabelecem entre si. Caso contrário, a realidade e a história seriam coisas completamente separadas uma da outra. Contudo, como entendo, o que move a história não pode ser visto como algo externo a nós exatamente pelo fato de que, estando em relação com o mundo, não só estamos submetidos a ele, mas também interferimos nele.

Por isso, ainda gostaria de considerar mais duas coisas. Uma que se ‘o homem’ pode mesmo, através das suas relações, interferir sobre a realidade - quer dizer, se a história é ‘dos seres humanos-, isso significa que, mesmo que as relações sejam um acontecimento efêmero, elas implicam pressupostos e conseqüências que as ligam a outros momentos do tempo e a outros espaços diferentes daqueles nos quais aconteceram, independentemente da consciência ou da memória humana, seja dos que participam daquelas relações ou não. Com isso não quero dizer que as narrativas e seus significados não sejam um produto da nossa consciência reflexiva, mas que entendo que, num momento ainda anterior a essa consciência, os instantes interconectam-se uns aos outros através dos pressupostos e conseqüências ou efeitos das relações, pois mesmo que elas tenham, necessária e essencialmente, um componente subjetivo, isso não implica uma plena consciência do seu sujeito ou do seu observador sobre a mesma. Eu chamaria isso de processo histórico. Um ex tosco: uma firma contrata trabalhadores para produção de carros (o que significa uma relação de trabalho) de um novo modelo com nova tecnologia de combustível (significa uma nova relação com o meio físico) na expectativa de vencer o concorrente externo (significa uma relação de concorrência com previsão sobre o futuro) e aumentar seus lucros (significa uma relação de apropriação), no que está pressuposto a existência de um mercado de carros (significa relação de compra e venda e de competição entre as firmas) e o uso deste tipo de transporte (tipo de consumo, status etc); essa decisão trará conseqüências ao mercado de carros e de trabalho e até pode ser frustrada por n motivos não previstos, a firma ser adquirida pela concorrente externa (significa uma mudança na relação de concorrência) ou as compras de carros aumentarem; e tudo isso independente do que os envolvidos pensem sobre os efeitos ecológicos e econômicos do transporte por meio do carro, o seu significado político etc. Enfim, a idéia é que o momento de cada relação interconecta-se com os outros por meios das próprias relações, seus efeitos, conseqüências e pressupostos; e que por essas relações, que muitas vezes têm produtos concretos (os carros produzidos, os contratos efetuados e refeitos etc) se interfere na realidade, gerando a história.

Por fim, acho que uma diferenciação entre as relações pessoais e sociais também poderia nos ajudar a pensar. Não acho que essa separação exista de maneira evidente. Ao contrário, todas as relações da nossa vida são, simultaneamente, pessoais e sociais, mas em alguns momentos convém destacar mais um lado que outro. Digo isso por um motivo muito simples: as relações sociais têm uma duração longa, além do seu tempo de duração efetiva, que não está só na memória daqueles que a vivenciaram, mas materializada nas diversas formas de organização das relações sociais. Por ex, as leis que servem para tentar coagir os indivíduos a relacionarem-se de tal ou qual forma, a moral religiosa ou laica que constrange as relações que fogem ao padrão estabelecido etc. Essa materialização das constrições às relações sociais nem sempre existe e nem é necessária para caracterizar uma relação social, mas acredito que sirva para indicar quanto uma certa relação é importante numa dada sociedade, portanto, como se encadeiam às outras sociais, construindo a história, e por que há relações tão mais consolidadas e difíceis de se alterar que outras.

Provocação:
O muro de Berlim caiu, não existe mais. Mas a venda do trabalho, a acumulação do capital, a concorrência entre as grandes empresas multinacionais, as guerras entre as nações para exploração dos recursos alheios, isso tudo continua, ainda existe. Moral dessa história: Há certas relações sociais por ai muito mais difíceis de transpor que muitas paredes.

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Felipe

Andréa, concordo com quase tudo que você disse. Vou apenas responder a alguns pontos do seu texto.

A primeira, o que se entende por realidade. Porque se “a realidade das coisas se resume ao fato de que suas aparições e suas manifestações não dependem do meu ser; ou seja, sua existência está ligada a uma razão que não depende do meu bel-prazer” - e eu entender, conforme se parece querer dizer, por ‘o que depende do meu ser’ como algo que é subjetivo - então, por decorrência lógica do que foi dito, as relações sociais não existem ou não são reais.

Primeiramente, a minha intenção com esse trecho que você destacou era a de mostrar que a a natureza das relações sociais é completamente diferente da natureza da 'realidade empírica'. Portanto é insustentável uma Ciência Social atribuir a si o estatuto de ciência do concreto. É claro que as relações sociais existem e são reais, seria um absurdo dizer que não. Aliás, como bem disse o André, eu poderia ter maneirado na hora de utilizar tantas vezes a palavra 'realidade', porque pode criar um mal-entendido, como de fato aconteceu. O meu esforço em falar dos objetos do mundo como algo 'real' se deu no sentido de evitar tal concepção: se a nossa relação com o mundo é necessariamente uma relação subjetiva, se levarmos isso às ultimas conseqüências, talvez estejamos vivendo uma grande ilusão na qual as coisas à nossa volta não passam de devaneios da nossa mente. Foi para refutar isso que eu disse que as coisas existem independentemente da nossa vontade; tais coisas têm razões-de-ser, ou essências, que independem de nós. Essa razão de ser é em si aquela dupla face que eu comentei: o infinito no finito, ou seja, infinitas manifestações fenomenológicas coextensas a uma razão-de-ser finita. Entende?
Agora, dizer isso não significa dizer que o mundo está imune ao homem. Nós interferimos nele tanto simbolicamente como concretamente.

Para mim, o fato das relações serem efêmeras não quer dizer que não existiram, que não foram reais enquanto estavam acontecendo.

Concordo plenamente. Aliás, eu acredito que o que existe de mais real para nós são essas coisas que se arrastam pelas bordas do instante. As relações sociais são extremamente reais no sentido de que elas podem desaparecer no limite do momento, mas elas têm um grande peso na maneira como veremos o mundo posteriormente.

Uma que se ‘o homem’ pode mesmo, através das suas relações, interferir sobre a realidade - quer dizer, se a história é ‘dos seres humanos-, isso significa que, mesmo que as relações sejam um acontecimento efêmero, elas implicam pressupostos e conseqüências que as ligam a outros momentos do tempo e a outros espaços diferentes daqueles nos quais aconteceram, independentemente da consciência ou da memória humana, seja dos que participam daquelas relações ou não. Com isso não quero dizer que as narrativas e seus significados não sejam um produto da nossa consciência reflexiva, mas que entendo que, num momento ainda anterior a essa consciência, os instantes interconectam-se uns aos outros através dos pressupostos e conseqüências ou efeitos das relações, pois mesmo que elas tenham, necessária e essencialmente, um componente subjetivo, isso não implica uma plena consciência do seu sujeito ou do seu observador sobre a mesma.

Nenhum homem é uma ilha. Por isso não gosto do conceito de indivíduo. Conectamo-nos a outros espaços e a outros tempos históricos sim, mas não de uma maneira transcendental; o elemento dialético faz com que a resignificação seja constante, ou seja, no momento em que eu olho para o mundo, o olhar que eu lanço para ele é o da tradição. Mas, mais uma vez, tal conexão está dentro de nós: não está em um 'espírito da história'. Por isso não concordo quando você diz que isso não implica em plena consciência do sujeito. Implica sim, afinal toda ação é uma ação crítica (não no sentido analítico, mas no sentido de não olhar neutramente para as coisas). Talvez não percebamos, mas a consciência trabalha incessantemente: como disse o Sartre, não existe consciência sem a consciência de que ela existe.
Mas eu acho que o você quis dizer é que nós talvez não saibamos, mas estamos inseridos em algo maior do que nós mesmos: um processo histórico. Bem, com relação a isso eu tenho muitas ressalvas. Acho que esse 'algo maior' seja também um recurso analítico do qual o pesquisador lança mão. É lógico que em qualquer sociedade há uma rede complexa de relações sobre as quais as ações dos sujeitos têm uma conseqüência; mas elas só têm uma conseqüência porque há pessoas envolvidas nesse processo. Mais uma vez temos que ter o cuidado de não atribuir a um efeito o estatuto de causa.

E, por fim, eu não acredito nessa separação entre relações sociais e relações pessoais. Podemos até separá-las na hora de uma análise, mas elas são a mesma coisa: e, no fundo, é isso que é bonito nas Ciências Sociais.

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Bárbara

Bier!
Fiquei incomodadíssima com esse texto! Não podia perder meu posto de chata e deixar de comentar.
Como assim, a história se realiza no momento e as relações sociais se reproduzem no plano das idéias?
Sartre é um defensor feroz do materialismo histórico e do pouco que eu entendo, está longe dele acreditar que não haja nada externo que faça os homens fazer história...
Aí é importante sacar o diálogo filosófico: com quem ele está falando e o que é o projeto existencialista sartriano? é um resgate do marxismo que, na experiência histórica (e aqui, ação não vem separada de construção teórica) separou ser e saber, teoria e prática...
Quando ele fala da consciência, apenas diz que ela é formada pela experiência. E essa não é desinvestida de materialidade (é pura materialidade).
Mas essa é apenas a razão. O problema é a passagem do mundo kantiano para o hegeliano: como resolver o problmea da ação?
Aí é que vem o lance do indivíduo na história e o seu resgate, já que o economicismo o tinha relegado a um milésimo plano. Mas o foco no subjetivismo e a recusa ao objetivismo vem não para instituir um reino de liberdade plena de escolhas.
O lance é que o indivíduo, para Sartre, não reconhece o resultado de sua ação porque ela se dilui no todo: a objetivação da sua subjetividade torna-se alienada. E ele só age com a finalidade de suprir alguma ausência (daí a idéia de projeto). Como todos agem ao mesmo tempo, os projetos individuais entram em choque e foram um todo que age contra o indivíduo e limita a sua ação(estrutura-viva).
No fim das contas, o que quero dizer é que Sartre não nega a materialidade (é ela quem constitui a consciência dos indivíduos, através da experiência); nem a influência de uma exterioridade no 'fazer' história dos indivíduos: se eles têm liberdade de escolha, esta liberdade se dá em um campo de possíveis já dado, porque construído historicamente(mesma idéia do Marx em 18 de brumário); nem a inexistência de relações sociais pautadas por uma materialidade.
Acho preocupante relegar esta última (relações sociais) ao universo das idéias (estou radicalizando seu argumento). Para mim, fica parecendo que você acabou comprando a idéia que Sartre queria negar.
Minha provocação: por que ler o Sartre com a chave do Geertz se o seu instrumental é marxista e Husserliano?

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Felipe

Bárbara, em primeiro lugar seria importante ressaltar que o que eu quis fazer aqui não é um resumo do existencialismo do Sartre. São apenas idéias minhas que, em grande parte, têm sido influenciadas pelas leituras que eu tenho feito. Aliás, eu admito que são leituras limitadas, já que eu nem cheguei a pôr em mãos algo mais denso que Sartre tenha escrito posteriormente ao "Ser e o Nada". De tal forma, não sei como ele faz essa união com o materialismo histórico (que só é feita posteriormente. Como você bem disse, é preciso sacar em que ponto da obra do Sartre eu estou tocando).

Quando ele fala da consciência, apenas diz que ela é formada pela experiência. E essa não é desinvestida de materialidade (é pura materialidade).

Foi exatamente isso que quis dizer! Ela é pura experiência e pura dialética na medida em que toda a sua intenção está voltada em apreender o mundo em seu sentido mais amplo.

O lance é que o indivíduo, para Sartre, não reconhece o resultado de sua ação porque ela se dilui no todo: a objetivação da sua subjetividade torna-se alienada. E ele só age com a finalidade de suprir alguma ausência (daí a idéia de projeto). Como todos agem ao mesmo tempo, os projetos individuais entram em choque e foram um todo que age contra o indivíduo e limita a sua ação(estrutura-viva).
No fim das contas, o que quero dizer é que Sartre não nega a materialidade (é ela quem constitui a consciência dos indivíduos, através da experiência); nem a influência de uma exterioridade no 'fazer' história dos indivíduos: se eles têm liberdade de escolha, esta liberdade se dá em um campo de possíveis já dado, porque construído historicamente(mesma idéia do Marx em 18 de brumário); nem a inexistência de relações sociais pautadas por uma materialidade.

Em nenhum momento eu disse que o espectro de decisões e as liberdades dos sujeitos eram ilimitados. Só quero afirmar que os sujeitos fazem sim escolhas e que há agência no mundo social. Agora, se você diz que Sartre coloca que as relações sociais são pautadas por uma materialidade, eu pediria que você explicitasse o que ele entende por 'materialidade'.

Por fim, não estou relegando as relações sociais ao mundo das idéias. Estou dizendo que as relações sociais em si são efêmeras porque existem apenas no limite do instante (em forma de experiência). No entanto essas experiências sociais constituem a maneira como os homens vêem o mundo e encaram as experiências seguintes, tendo assim, uma textura muito bem definida e cores que não desbotam facilmente. A narrativa histórica, portanto, não deve ser relegada a um 'espírito da história', 'modo de produção' ou a qualquer coisa que seja externa aos sujeitos. Quem constrói as experiências são esses sujeitos, assim como são eles mesmos que dizem qual deve ser a história a ser contada.

A minha briga, na verdade, é contra uma leitura marxista que enxerga nas complexas redes de relações entre os homens o substrato de uma metafísica social. Encaram-se, assim, forças sociais abstratas - que deveriam servir apenas analiticamente - como parte constitutiva deste mundo ideal com estatuto de concreto.

E respondendo à sua provocação: "por que ler o Sartre com a chave do Geertz se o seu instrumental é marxista e Husserliano?"

Ora - provocando novamente - exatamente porque eu não encaro as teorias como religião... hehe

terça-feira, 16 de outubro de 2007

A história do momento

Pensar a relação do homem com o mundo é pensar a história. Mas como devemos entendê-la? Qual é a história que mais se aproxima de uma lógica das coisas do mundo (se é que existe tal lógica)?

A premissa de que nenhum olhar é neutro e de que tudo passa pelo crivo da nossa subjetividade não deixa de ser verdadeira; no entanto, ela nos deixa num beco sem saída à la Matrix. Primeiramente é preciso pensar em o que seria a realidade. A realidade das coisas se resume ao fato de que suas aparições e suas manifestações não dependem do meu ser; ou seja, sua existência está ligada a uma razão que não depende do meu bel-prazer. Tal realidade e suas manifestações fenomenológicas têm necessariamente que se conectar de maneira transcendente, senão tais manifestações se fechariam sobre a maneira subjetiva através da qual somos afetados. Diz Sartre: "Mas se a transcendência do objeto se baseia na necessidade que a aparição tem de sempre se fazer transcender, resulta que um objeto coloca, por princípio como infinita a série de suas aparições. Assim, a aparição, finita, indica-se a si própria em sua finitude, mas, ao mesmo tempo, para ser captada como aparição-do-que-aparece, exige ser ultrapassada até o infinito. Esta nova oposição, a do 'finito e infinito', ou melhor, do 'infinito no finito', substitui o dualismo do ser e do aparecer".

O que significa dizer que há uma nova oposição entre o infinito no finito? Significa que o objeto real tem uma razão de ser finita que é e, assim, se transcende em suas manifestações infinitas, sobre as quais os nossos olhares podem também se multiplicar infinitamente. Isso não significa que o objeto mascara uma dimensão oculta do seu ser ou então revela parte dele. O objeto é enquanto existe. "O existente é fenômeno, quer dizer, designa-se a si como conjunto organizado de qualidades. Designa-se a si mesmo, e não a seu ser. O ser é simplesmente a condição de todo desvelar: é ser-para-desvelar, e não pare ser desvelado". Portanto dizer que estamos presos à nossa subjetividade não significa uma posição claustrofóbica; mas sim que o ser-do-fenômeno é coextenso ao fenômeno, fundamentando-o; este ser, porém, no escapa toda vez que o tentamos apreender.

Agora falta pensar em como se dá essa apreensão. Partindo do pressuposto que a percepção é também um ser transfenomenal concebido como a consciência - transfenomenal porque ela só existe quando é e ultrapassa a sua existência na percepção - é preciso separar bem a consciência e o conhecimento. "A consciência não é um modo particular de conhecimento, chamado sentido interno ou conhecimento de si: é a dimensão de ser transfenomenal do sujeito. (...) Toda consciência é consciência de alguma coisa. Significa que não há consciência que não seja posicionamento de um objeto transcendente, ou, se preferirmos, que a consciência não tem 'conteúdo'."

A consciência tem sim uma forma de ser muito particular: uma forma circular. Porém trata-se de um círculo muito especial, que não se fecha em si mesmo, assemelhando-se mais a um espiral. Na percepção de um objeto, forma-se uma consciência refletida; ao mesmo tempo, cria-se uma consciência de tal consciência: uma consciência reflexiva. A primeira consciência, ou a consciência imediata, não emite julgamentos sobre o que está sendo percebido. Mas só ato de perceber faz com que essa percepção constitua substantivamente a consciência perceptiva. Ou seja, a consciência se encontra num eterno círculo dialético consigo mesmo (é bom lembrar que só dividi a consciência em duas para uma melhor análise). E tal círculo dialético é inseparável do mundo, afinal toda a intenção da consciência está voltada para ele.

A consciência construída e reconstruída a cada momento é a essência da nossa existência: "toda existência consciente existe como consciência de existir". Desta forma, o que temos é uma história de momentos sucessivos sobre os quais a nossa consciência estende a sua percepção. O efeito que se tem é da mesma natureza da reprodução de um filme: a partir de muitos frames, constrói-se uma imagem fluida. No entanto, na nossa relação com o mundo, não existem tais frames - os momentos já são em si fluidos.

E então onde entra a história? O nosso conhecimento ou a nossa memória fazem o papel de ligar causas e efeitos - de construir narrativas e significados- a partir daquilo que a nossa consciência nos fornece. E, em se tratando de relações sociais, a história só se dá na efemeridade do instante. Afinal, uma relação social não tem a mesma natureza de um objeto alheio a nós: ela emerge e logo desaparece no espaço entre duas pessoas. Todavia as relações sociais têm longa duração dentro das nossas mentes. Mais uma vez, dizer que a intersubjetividade entre dois sujeitos se esvai no limite do momento não é adotar uma posição desesperadora na qual "nada é nada"; significa apenas dizer que não podemos atribuir a denominação de motor da história a algo externo a nós. Da mesma forma, é totalmente insustentável tentarmos rotular de concretas relações sociais que são apenas recorrentes: como bem diz Sartre, "A realidade desta taça consiste em que ela está aí e não é o que eu sou". As relações sociais somos nós, logo é imprudente que queiramos vê-las além de nós.


Depois disso tudo, uma pequena provocação:

Uma parede resiste ao momento; relações de classe não.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Em busca de nuances





Depois de aprender, através de um lindíssimo trabalho do historiador da arte Michael Baxandall, como o contexto histórico de uma dada realidade social - mais especificamente a pintura no quattrocento italiano - promove a construção de uma sensibilidade aos códigos presentes em uma obra de arte, parei pra pensar na minha relação com a arte em geral e, mais especificamente, com a música. É incrível como pensar a arte como fruto de relações sociais e, principalmente, pensar a produção artística como uma aposta do autor na capacidade do seu público de identificar toda a simbologia que envolve sua criação nos abre uma perspectiva de análise maravilhosa.

Só é possível entender a arte em seu contexto. No entanto, ela não é um produto mecânico de uma época: não nos esqueçamos de que há pessoas pintando quadros e outras pessoas olhando para eles e se emocionando com eles. O bom pintor não se acomodará em contar uma história sobre as coisas do mundo de uma maneira fácil: sua arte não é uma caricatura de uma época. Viver na Itália do século XV significa criar certas disposições culurais - ou se preferirem os termos do Bourdieu, um habitus - que permitem acessar o conteúdo profundo de um quadro. A agência do pintor está em perceber que há maneiras de expandir como se pensa e se sente o mundo. Aí está a diferença entre uma arte que instiga e uma arte "mais do mesmo". Ambas se colocam entre o habitus e as demais coisas: no entanto uma se conforma e contar histórias já opacas e gastas enquanto a outra faz um acordo como o seu apreciador - "vamos além?".


Por isso que, quando eu teimo em escrever algo (seja música, seja essas besteirinhas aqui) eu tenho como grande meta ir além. E ir além não significa querer revolucionar tudo, mas sim expandir o sentido daquilo que está sendo trocado através de nuances.

Assim como os italianos renascentistas, eu acredito em nuances.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Estranha Nostalgia

Chegadas e partidas.

A vida é assim,





mas as músicas são mais ou menos as mesmas.








Mucho mungo, sweet thing,
Sweetest little thing i've ever seen.
Must have been a sweet dream,
Brought you here,
Brought you through the sorrow
And the tears.

C'est la, c'est la, c'est la vie,
Sail upon the ocean, sail with me.
Sail into the moment ev'ry day,
Sail it to the sunshine through the haze.



segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Uma manhã

Acordo seco.

Meio litro de água ao lado da cama, soro fisiológico para o nariz e afrin 12 horas em caso de entupimento. Relógio semi-quebrado para ter a consciência do tempo, toalha não-mais-encharcada para provocar chuva.

Água, muita água. Café aos montes. Água novamente. TV. TV. TV-Sofá. Água. Computador, escova de dentes, computador e computador.

Preguiça. Água novamente.

Agora não tem mais jeito, 10 horas da manhã... Bourdieu "A gênese social do olho". Preguiça, preguiça... Blog! Quem sabe?

Celular: nada.

Soro fisiológico e água. O tempo está muito seco (eu me convenço disso).

Duas cápsulas de vitamina C e duas de óleo de fígado de bacalhau só para garantir.

Uma borrifada de própolis. Pronto, agora estou pronto para Bourdieu.

Só mais uma olhadela no orkut. Nada.

Bourdieu, Bourdieu...

Ai.

Água.

Soro.

Que bom! Meio dia, hora de sofá e almoçar.

domingo, 7 de outubro de 2007

How about getting off of these antibiotics?

Ultimamente o silêncio perdeu um pouco de espaço para alguns tons. Mas acho que só depois de pensar muito - de sentir muito - e, principalmente, após não sentir muito, eu consegui me libertar de algumas aflições tão terrenas que me acompanhavam antes dos momentos de silêncio.


Só agora eu consigo perceber que a minha liberdade de me reconstruir a cada instante não está presa somente ao discurso.



Agradeço à claridade que só pode ser percebida em momentos de paz. Obrigado também a essa nova melodia que vem andando de mãos dadas comigo:




Thank you India
Thank you providence
Thank you disillusionment
Thank you nothingness
Thank you clarity
Thank you thank you silence

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Sans Bruit



Shiu.

Silêncio.

Escuta...



(...)




Ouviu?




(...)




De novo!


Hum...


Escuta, escuta...




Ouviu agora?





(...)







Um momento acabou de passar.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Claire



'She wore faded jeans and soft black leather
She had eyes so blue they looked like weather.

Now the wind is high and the rain is heavy
And the water's rising in the levee
Still I think of her when the sun goes down
It never goes away, but it all works out.'