terça-feira, 22 de outubro de 2013

Amoreira




Diz que
se chama providência
essa coisa de
acaso.

Pois que
aqui
não pode havê-lo:

há as ruas
e nelas mesmo
as vielas
têm suas ocupações:

de pernas cruzadas
na contravenção
se sopesa onde
está o amor
onde diabos
o coração mora.

Pois que
se diga muita coisa:

apaixonamento de gente
analisada
localizando o objeto
descascando o desejo
reformando a memória.

Visto de frente,
é coragem.

Meio de viés,
de ladin
é só medo mesmo.

E o argumento
toma tombo
feito aquela troça
de menino
que um empurra outro põe o pé.

Pois que é assim
que a gente lembra
que nossa decisão
já foi faz tempo

e a recordação
é um tiro no olhar
certeiro
e que põe a gente a chorar
não que a vida é difícil
mas que ela vem
de toada
nem dá tempo de proteger
é enxurrada.

Diz que é acaso
e eu acredito

mas no meio do dilúvio
sei que seu
coração (o músculo)
parou
e eu encontrei
a única amoreira
de São Paulo. 

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Ângulos de uma manhã




De um ângulo
o sol inflete
e é apenas o sol
na sacada
é apenas manhã.

De outro
são seus cabelos
tarrafa negra
eram cacheados
lisos e presos.

Outro ainda
são seus músculos
deduzidos daquela
alvura toda
de madona.

E no mais
os lençóis é mosaico
e as horas são gentis
caleidoscópio
do que chamam “felicidade”.

Contudo
aquele ângulo absoluto
onde o sol não habita
a luz não refrata
a história para.

A seca perspectiva
do tempo da morte
um mendigo ao chão
se move neste ponto cego
que parece uma penetrante
obtusidade.

São seus olhos
este monumento
onde todas as palavras
refugam
com medo
deste inexplicável ruído
um deus sem obra

é o movimento das pálpebras
recortando a súplica
sem fundo
destes teus olhos