quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Um dia especial



Não te quero num cavalo branco galopante.
Não te quero num grande momento de escolha entre viver ou morrer.
Quero-te à medida que me reconheço em ti.
Não como alma refletida, mas como a alma que se expande sem querer.
Quero-te todos os dias, nas intermináveis horas mortas entre os segundos de delicadeza.
Quero-te ao meu lado no momento em que durmo; no momento em que a consciência exaurida descansa a pena sobre o papel, rabiscando retas sem propósito.
Não quero todos os seus dias de festa, quero apenas este:
Pois sei que, como todos os outros, este não será menos banal e menos significativo.
Quero-te enquanto assobias a canção que ficará gravada em minha memória.
Quero-te.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Era uma sombra larga

As palavras são corpos

Que vivem, dançam, entrelaçam-se à beira de um abismo.


As palavras são corpos em dúvida,

Esbarrando na multidão, roubando olhares.


Os corpos e as palavras têm a mesma substância:





Lembranças coletivas num desesperado movimento desbotante.


As palavras se degeneram,

Morrem aos poucos.

Compõem o seu último abraço no limite do agora.

Depois, descansam em túmulos para serem visitadas e resignificadas.


A morte da palavra, como ela é necessária!

Poderia eu segurá-la na carência de sua vida, em sua eterna indefinição?

Infelizmente, quando minha consciência lança sua mão para agarrá-la, é tarde demais.


Num suspiro seco, a palavra cai sobre seu próprio corpo fatigado, desabando em sua própria sombra larga.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Terra - terra

Se, como acreditavam os antigos, a Terra fosse quadrada;

Se, ao chegarmos no fim do mundo, deparássemos-nos com um abismo;

Talvez nunca te teria encontrado.

Nunca desconfiaria que o vento que sopra o meu catavento é humano.

Pensaria que ele vem de algum lugar frio e distante do cosmos.




Se a Terra fosse quadrada, seria Terra - toda imponente - e não terra vermelha, com cheiro e um minúsculo t.




Como a terra é redonda, ao rodar meu catavento, procurei em suas curvas o responsável pela brisa.

Encontrei-te ali, dobrando a esquina do mundo,



Soprando despretensiosas, distraídas e tímidas bolinhas de gude, que se transformavam em vento quando, ao cruzar a rua, deparavam-se com latitudes estranhas:




latitudes infinitas.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

You gotta be crazy, gotta have a real need...

Com a chegada das certezas e a ida dos fantasmas, sobra-me um vazio.

Minha vida é fragmentada e encapsulada, como as pílulas que me são intrínsecas e os textos que me constituem.

Eles me dão de presente a sensação de continuidade.

Luto contra o ascetismo olhando complacente para os quadros desalinhados em meu quarto.

Procuro em versos bobos uma espécie de simplicidade.

"Maria, sua pele bonita me faz suspirar um passado que nem é meu."

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Com a chegada das certezas e a ida dos fantasmas, sobra-me um vazio.

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Com a chegada das certezas e a ida dos fantasmas, sobra-me um vazio.

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Com a chegada das certezas e a ida dos fantasmas, sobra-me um vazio.

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Com a chegada das certezas e a ida dos fantasmas, sobra-me um vazio.

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Com a chegada das certezas e a ida dos fantasmas, sobra-me um vazio.

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Com a chegada das certezas e a ida dos fantasmas, sobra-me um vazio.

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Como um disco de vinil, vejo minha alma girar até um centro inatingível. O ruído da agulha tocando as imperfeições é delicioso. Os seus tons graves, saídos de caixas de madeiras impregnadas de eternidade, preenchem um cômodo inteiro. Bass, treble, mono, phone, balance, on-off, loudness, mode, filter. Ao contrário do que pensavam os pessimistas modernos, a miscelânea de botões não fragmenta a vida. Tampouco tais botões são peças de um mosaico que, vistos de longe, compõem uma pretensa unidade. Os botões são variáveis da consciência: eles estão organicamente ligados ao som que se reproduz. E ao contrário do que pensam os pessimistas pós-modernos, não há nacionalidade ou dominação na guitarra dobrada de David Gilmour. O âmbar que envolve a sala não tem lugar e tempo definidos. Como minha alma, o Animals flutua e envolve completamente o meu corpo deitado no chão. Fitando o teto, meu ser, em seus tons graves e em suas imperfeições, preenche o quarto e gira num ponto de equilíbrio desconhecido por todos os homens, mas, ao mesmo tempo, sentido por todos eles. Com a chegada dos fantasmas e a ida das certezas, sobra-me um suspiro substancial.

domingo, 9 de dezembro de 2007

A sala vazia

Me ocorreu que cada pensamento, um pouco antes de dormirmos, é uma tentativa desesperada de nos salvarmos da queda em um abismo.

Como um buraco negro, o sono engole o tempo.
Sem ele, nossa consciência deixa de existir.

Os pensamentos, por sua vez, nada podem fazer. Quando o tempo é completamente consumido, um âmbar os envolve e os rebaixa a um nível não alcançável pela consciência.

Ela por fim se resigna.

Enquanto eles se entretêm sozinhos num jogo viciado e doentio, como uma TV que é assistida por uma sala vazia.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Choque pós-moderno

O elevador pára no terceiro andar. Entram uma mulher com um cachorro no colo e um garotinho agarrada à sua saia.

"Bom dia."

"Bom dia"

Terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo, décimo primeiro, décimo segundo.

Quando a porta se abriu, meu elogio aos olhos da moça; minhas elucubrações sobre a cidade e os cachorros; minha acentuada ausência; meu comentário sobre o tempo; meu murmúrio de uma canção; meus afazeres de todos os dias; minhas possibilidades que se abriam naquele instante; meu futuro como pai e como marido; minha velhice; meu lirismo...

Ajudo a segurar a porta do elevador.

"Tenha um bom dia."

"Igualmente."