domingo, 20 de abril de 2008

My Blueberry Nights



Não mais as cicatrizes fundas
Da xilografia estampada na capa de um livro.

Não mais violinos cortantes,
Na complexidade orquestrada por uma mente incansável.

Diante da insensibilidade forçada,
Da suspensão das angústias,
Do momento que antecede o suspiro,
Do pesar dos olhos:

Prefiro a tua delicadeza rouca,
O piano deslizando sobre mim,
Sonhos levemente distorcidos.



Come away with me
In the night.



Na realidade que te cerca,
Numa manhã de Junho:
Como em tantas as outras


- imemoriais -


Pisarei no gelado orvalho,
E lembrarei do teu eterno suspiro...

"What did you say?"

She's so heavy


"É difícil defender, só com palavras, a vida"

Todos os dias, defendo a vida com palavras.

A vida, por sua vez, nada diz.


Vejo, todos os dias, ao fim da tarde, as luzes se apagarem.


Sinto, toda vez que em meu quarto percebo a confortável escuridão ser invadida pela aurora, as horas estilhaçarem minha capacidade de dizer,


em palavras,



o que é a vida.

"É difícil defender, só com palavras, a vida" revela o quadro em minha parede quando nele a luz do dia bate.



Nos bons momentos, sinto que não há nada a ser dito: não são necessárias palavras para simplesmente ver-se diluir no mundo.


Nos maus momentos, torço para que eu encontre algo a dizer. Algo para consolar a dor daqueles que definham e nem sabem.






Pesada é a cruz daqueles que sabem.







Todos os dias, percebo que defender a vida com palavras é necessário. É preciso camuflar a corrosão das horas com signos que balançam no ar até cairem, exaustos, sobre o chão.

Sinto o dizer.



Sinto dizer;

mas, para mim, ela é pesada demais.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Café


Sentado à beira do abismo,
entre a tentativa de um gole no café quente e o zumbido das pessoas que vêm e vão,

mantenho meu corpo em pé,
minha memória intacta,
minha consciência alheia.

Minhas pálpebras, no entanto, tremem a noite passada;
meus dedos mutilam-se impiedosamente,
meus pés contorcem-se às lembranças de pesadelos.

Sopro o café, que embaça meus óculos.
E depois? Qual será a próxima tarefa?
Pagar a conta, sair, chegar, esperar...

Soprar o café só me impede de ver o mundo por alguns segundos.
Quando, por fim, as lentes se desembaçam,
nada consigo ver:
os olhos apontam para mim mesmo.