domingo, 25 de outubro de 2009

Des choses cachées depuis la fondation du monde




Sob o choque do relato funesto
O desejo se estabiliza, recua, congelado:


amarrado.


Sob a influência da gargalhada alheia
o desejo manifesta o escárnio no canto da boca;
mostra sua face cruel, animal e violenta.

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Em meio ao esfacelamento do Outro,
sob a égide da eterna dúvida


- que azeda o seio amigo -


o instinto se mostra errante, sempiterno;
salta pela janela e ganha a rua:
cheia de vultos, ela ri do desejo.

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A errância é sua essência, porém sempre velada;
deve ser velada: escondam os espelhos,


esconda sua própria carne, por favor.


Enquanto se equilibra na calçada, o desejo se moca de si,
é levado por sua curiosidade ao ritual macabro;
o desejo conhece, enfim, seu irmão gêmeo: o fraterno pária.

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Não sem pavor que é feita tal descoberta:
sob as máscaras escondem-se humanos


ou o monstro Dionísio?


Esquecendo-se de si, o desejo é satisfeito.
Sobre o altar, Caim afia a foice, da qual pinga o sangue maculado
das coisas escondidas, sufocadas, desde a fundação do mundo.

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sábado, 17 de outubro de 2009

A fábula do estrangeiro



Andou em direção ao mar com passos curtos, decididos. Sentiu aquele estranho bafo quente e salgado grudar em seu rosto, penetrar seus sapatos: o resto de si, que o mantinha em pé, cedeu à areia molhada que afundava a cada gesto. Caiu de joelhos, depois de costas, crucificado em água e sal.

Abriu os olhos e sentiu a lua exercer uma enorme gravidade negativa: seus raios de luz pesavam sobre seu rosto - ou era seu pesar mesmo que se confundia com o da lua?

Só soube do delírio em que havia se jogado quando perdeu o equilíbrio entre sufocar-se e extasiar-se, entra a lembrança e o sonho. Veio a angústia, velha companheira: mãe protetora e carinhosa.

Mas era tarde demais: as células do seu corpo já se confundiam com os cristais de silício e com a água. Isso era um sentimento completamente novo, assistir à decomposição do eu e à fusão do corpo em pequenos orgasmos. Havia sim muita dor, é verdade, mas não havia quem senti-la... Ela se dissipava no afeto que dominava, enfim, seu corpo: se sentia completamente estrangeiro, no entanto sem angústia, sem lamentação.

Apenas estranho.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Verka



"Blessed are the forgetful: for they get the better even of their blunders"

Eu não suporto mais viver nesta eterna repetição do mesmo: passo por imagens perfiladas, como quadros em um museu, imagens familiares pois são minhas. Mas estas figuras da memória perderam seu teor e descansam frias na parede branca. De que valem se não têm história, se não me olham de volta? Tento desesperadamente agarrá-las como se fosse possível resgatar o tempo em que eu submergia para aquém de mim. Mas tudo o que eu tenho são segundos que me cobrem como cinzas de um prédio destruído: tudo o que eu tenho sou eu, agora, neste instante. Uma realidade que eu nunca quis e que agora pesa sobre mim. Eu sou este ser que sobe e desce escadas de um museu mórbido e sarcástico: as imagens nas paredes não são nada mais que espelhos - tão precisos que não retribuem qualquer olhar, não deixam qualquer distância.