domingo, 15 de setembro de 2013

Era só uma sombra larga





Queria ler aquele poema
do Drummond
da mesa cheia
mesa vazia.

Queria saber
que seus olhos cinzas
veem.

Queria
uma lembrança cintilante
Cajuru nos anos 30

um caco de vidro
garrafas de leite
o guincho de um porco
e a tal mangueira
tão impossível
no quintal
que já nem é nosso.

Queria molhar
seus pés de menina
descalços no terraço
prendados na praça.

Auscultar sua música
um traço borrado no
horizonte
entre a luz
e a sombra.

Lamber suas pálpebras
pesadas
nas madrugadas longas.

Queria um chão familiar
chão batido sobre outro
mais ancestral
sobre este
um outro mundo
pra lá de lá
onde chove sal e o sol
não fala português.

Queria te chamar de tu
te chamar de tu
quando as ilações
da varanda
grassam no você.

Adentrar sua dor
aquela dor
tão bem inscrita
rajada em cinza.

Queria ser poema
aquele do Drummond
aquele
esquecido, sabe?
Pra sempre resto
folha na gaveta
uma imagem:
a mesa cheia
agora vazia.

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