quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Prisma



À sombra do ar,
estanque na boca aberta,
cintila o silêncio,

picotado em mil cores,

a pulsar,
fremido pela iminência
do sopro do adeus.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

14ºC



Sinto nascer,
da tensão entre nossos corpos,
o orvalho,

condensado no ar

em torno do rastro
do brotamento
da palavra.

domingo, 17 de outubro de 2010

Palavra estrangeira III



O pé
que oscila
sobre as pedras arruinadas
não hesita:
seu movimento não rompe nada,
não cumpre qualquer desígnio;

rente ao metal contorcido,
não se afia o abandono em sua pele,
nem se dobra o acolhimento em seus dedos;



entra meramente.



No vulto róseo, que sobe ao ar
e acompanha o gesto humano,
a palavra trai-se
e cai exausta

“sem memória, sem angústia”.

Mutando-se,
ela arfa moribunda:


marca da passagem,
trata-se somente do sopro
da terra dissoluta.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Palavra estrangeira II



As cinzas vermelhas,
flocos,
decaem.

Enredam seu propósito
e, astutamente,
suspendem,
com paciência,
seu negativo,

que se esparrama em bolor,
sem pressa,
anos a fio,
na superfície do muro,
onde já não se pode ler com clareza
a palavra talhada:

(Ouve-se então o som ensurdecedor das trombetas de uma espera tão longínqua: o colapso dos tijolos, que asseguravam, insinceros, a santidade da voz, prestes a ser restituída)

"Entra, proscrito."

Palavra estrangeira I




Sulco em cimento
cravado
em gesto:
violentas fissuras
depositando-se compulsivas.

(O tempo,
coagido entre a mão que molesta o muro
e o pó,
que desata o sentido a contravento,
sedimenta-se cerrado:
entesa o elã de revelar-se
enquanto ínterim que nunca foi -

promessa sempre repetida,
insistente,
jamais obliterada.

Cerzido,
cala a ressurreição
que um dia fá-lo-á leito torrente,
a correr fundo,

emergindo somente
para redimir,
num golpe,
o signo inscrito)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Coragem



Confia a mim
o teu silêncio castanho,
tão austero,
reluzindo no lapso
dos teus músculos oculares,

paralisados

no instante em que

teus olhos,
capturados
enegrecidos
(ternos de tanto medo),

revolvem, em mim,
a suspensão
do único momento
quando,

um dia,

disse a palavra exata
e esqueci que era
necessário
esquecer.

domingo, 29 de agosto de 2010

Desejado




Caminharei no teu olhar,
Por entre as sendas de tua íris:
rajadas de vento, ansiando o corte
que arrastará consigo nossos segredos.

Afastarei com cuidado
Os grãos de areia que,
revoando em ciclones castanhos,
rebatem em meu rosto refletido.

Terei sede quando, enfim,
Meu corpo escasso pedir socorro
E meus poros suarem toda a miragem
que,
tão longo,
habitou fundo a minha casa.

Assim,

Estancando o respiro
que antecede a palavra,

Acordarei deste sonho.

E as imagens,
concatenadas numa manhã de tanto esmero,
Serão apenas parcas lembranças:

Peças desconexas de brinquedo
Passando de dedo em dedo,
Enterrando-se em terra úmida,
Esperando o esquecimento;

Letras indecifráveis
De um manuscrito antigo,
Meneando-se melosas,
Feitas cantigas recitadas por crianças;

movendo-se do giro
do próprio ocaso;


tramontando o desejo
de existir
no tempo.