domingo, 28 de setembro de 2008

Caio Prado Jr., em Evolução Política do Brasil e outros estudos, coloca de forma categórica: “A transferência da Corte constituiu praticamente a realização da nossa Independência” (PRADO JR, p.43, 1979). Tal asserção, entendida de modo estreito, pode ser tida como um contra-senso cronológico, afinal a emancipação política do Brasil só seria levada a cabo catorze anos depois da chegada da família real portuguesa. Mas de fato a intenção de Caio Prado é marcar de maneira sólida sua posição teórica, e conseqüentemente sua abordagem historiográfica, frente à forma tradicional com a qual os historiadores interpretavam a história. Sua tentativa de deslocar a análise da superfície dos fatos históricos – na qual prevaleciam a vontade e a ação de grandes figuras políticas – para as estruturas econômicas e sociais acaba tendo como conseqüência o esvaziamento de fatos históricos antes muito valorizados, como a Independência em 1822.
Com efeito, Caio Prado situa a emancipação do Brasil e das colônias espanholas da América em meio a um contexto de transformações históricas profundas: a saber, a emergência do capitalismo industrial teria tornado anacrônicas as estruturas de dominação e exploração coloniais. Todavia, ao marcar as diferenças entre esses diversos processos de apartamento do jugo colonial, Caio Prado ressalta a especificidade da emancipação brasileira. Como coloca o autor: “Mas, enquanto nas demais [colônias] a separação é violenta e se resolve nos campos de batalha, no Brasil é o próprio governo metropolitano [...] quem vai paradoxalmente lançar as bases da autonomia brasileira” (PRADO JR, p.42, 1979). Deriva-se deste raciocínio a importância da chegada da Corte portuguesa a terras brasileiras em 1808. Muito mais do que uma simples fuga da conturbada situação política européia do momento, o cruzar o atlântico rumo ao Rio de Janeiro pode ser entendido como uma hábil manobra da diplomacia britânica para atacar o cerne do pacto colonial e abrir caminho para o comércio inglês. De fato, “para o industrial [...] só pode haver um ideal: é um comércio absolutamente livre que estabeleça o maior intercâmbio possível, seja por quem for, nacional ou estrangeiro, entre sua produção e os mercados mundiais” (PRADO JR, p.122, 1969). O fim do monopólio comercial português declamaria necessariamente o término da relação entre metrópole e colônia: com a abertura dos portos, rompe-se com o privilégio lusitano de se colocar como intermediário das relações mercantis do Brasil com o resto do mundo. A queda dos sistemas de restrições econômicas aliada à sedimentação das bases estatais em terras americanas fariam emergir contradições que colocariam em xeque as estruturas coloniais e preparariam, então, o terreno para a transformação da colônia em nação.

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