domingo, 14 de outubro de 2012

Visão de sobre um morro




A falta
derretendo
são nossos restos
(o ventilador
o céu se armando
cachorros)

sibilâncias
ecos que vão
e param

como aquela tarde suspensa
a luz é terra e cal
e eu sou este
que não contempla

sabe que ali

resta pouco
pouco

pois que haja
tanto lá quanto cá
a igreja e as árvores da praça

a suspensão ainda assim

é o morro que subi
a foto que olhei
a história que contei
outra que ouvi
o calor, a fome, a hora

tudo que se esconde
numa ilusão.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Rebouças




Há algo
para além do verso:
uma pedra não é
uma pedra.

a poesia lhe vira a cara.
se retira.

A vocação
do poeta
é comunicada
pelo abandono covarde
do morto
em plena via

lê-se
uma vida é
uma vida
e a pedra
é pedra
e asfalto
é o rosto
sem rosto

a poesia
repisa esse chão
cadeias lógicas
concreto pleno
para sorrir
ou desistir. 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Um corte



O corte é
um corte
e corte também
é ferida e cicatriz
rasura.

Como aquela vez
que era brincadeira
de adivinhação
você tinha 14 anos
eu 40.

Um corte
corta até a carne
opaca
o corte é pois
respiro opaco
como demonstra a lógica.

À luz do poste
esmagam-se seus mendigos
estes como lâminas
vão cerzindo
o corpo rijo da lei:

“O que quero de ti
é somente que me
deseje”.

Nem que seja
somente vermelho
o corte é um alívio
vermelho.

Ou somente
voz do decalque.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sobre o feminino





Há certa ironia
em querer seus olhos
e seu corpo
adentrar abismos

e querer
seus seios
tocá-los
tê-los
e não os ter
sem o flerte da destruição

e não sentir
vertigem alguma
apenas os ter
pele contra pele
retina contra pálpebra

(pois seus olhos fecham
e os meus tergiversam
o impulso
de penetrá-los
profundamente).

Há certa tristeza
em tê-los
e certa violência
em tê-los
pois há

(que o desejo seja uma promessa e um segredo)

na fricção
meus dedos e sua pele
um jogo impassível:
eu detenho somente o desejo
você, a promessa e o segredo,
quebranto de 2+2=.

É uma verdade terrível
não haver para mim,
para você,
um ponto de partida
e outro de chegada

haver uma tristeza
e sombras de ancestralidade

e certo cinismo
que é o feminino
(o sinto em seus lábios).

E fogo.
E desejo.
E mutilação.

Pois seu seio sopra
o sopro do desejo.
Ele segura a chave
e um sabor férrico
de corte.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Desnudamento




O feixe de luz
sobre a franja incerta
faz pingar amarelo
nos olhos

eslavos de uma maneira diferente
pontilhados por uma grande abertura
a tudo que o vermelho tem a oferecer.

A pele mostra que todo poema é inútil
ao menos postergado
legado ao depois de amanhã
quando será inútil.

A boca hesita
não sabe o que quer
combate o impasse
de não a ter por inteira
dentro da boca
de não sentir o que se sente
com sal e suor
em uma tarde quente.

Pupilas
formam ângulo reto
em uma triste cerimônia
de vergonha deste cansaço
injusto e escárnio
ante o (teu) amarelo amarelo
tão preciso.

Premido sobre a textura
dos seios (amarelos)
o (meu) hálito fecha as pálpebras
para somente assim ver pingar
enfim
todo o sangue feminino
um convite farto à ferida
ao vermelho
impossível.

domingo, 10 de junho de 2012

Cortinas de Maio








Sobre as coisas
que nunca vieram
sobre tudo isso
te digo:

descansa um peso.

E sobre o impossível
                       carinho,

retido entre os sorrisos
                       de maio

- sua improvável
                       dissimulação –,

fez-se pouca fumaça

quase visível
quase invisível.


Como se
               maio

(não é maio)

é este tempo
em que acordamos
passamos café
e dizemos te amo


são coisas que passam ao largo
deixam sua marca
o signo
                    de maio

“Fecha as cortinas
que este calor não é de hoje”

domingo, 20 de maio de 2012

Stanza (um poema erótico)









Meus dedos te querem
uma antiga stanza
agudos em sua 
                      

                       lembrança



                       "Corta a luz
                        lambe minha ferida
                        com pressa.

                        Sou ti-tua
                        dentro de ti, desejo
                        mentre forem tuas unhas
                        em minha
                        estância"



A oblíqua
nota-de-lança
treme:

                       "Coragem
                        é falta
                        grave"




Patino sobre o vácuo de tua sala-de-estar
escura.
                       

                       "Chama-me
                        novamente
                        estranha herança
                        resto de um seco receio
                        

                        say you love me
                        and nothing more
                        eat me up and take me
                        let me swallow your fears
                        my dear"



Teu absoluto imperativo: 

                      
                      "Esquecete quem
                       sou
                      
                       dou
                       gozame
                       no fechar dos olhos
                       assumeme
                       como ti
                        


                          tu
                          eu
                        vazio
                       stanza" 

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O vento de maio





Maio
liberta o dia,

maio,
segura a noite
por mais uns minutos.


                                     Eu lhe disse:

“sou filho do verão,
                      você,
alento,
escape
deste ruído úmido
                      cerrado
da cidade”


                                 Ela recostou a cabeça em meu ombro
                                 enquanto caminhamos.

                                 Nada disse.



“o vento que sopra maio
não é daqui” – quis dizer.


“o vento de maio sopra outro,
sente que sou outra?”


       seus olhos aquiesceram,
perguntantes,
um respiro, e só.



Então nada soube
tudo quis.

O vento de maio
suspirou a mim.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Nos es realmente mayo






Nos es realmente mayo,

es el rojo do vento
matinal

          que

corta fatias de luz
nada rijas:

              dançam sobre a calçada
                 
                    (impossíveis),

acenam você,

maio, 
         transitivo.



Hoje e ontem,
sempre ao sul
do equador,

amarelo
suspenso
dos trópicos. 


Guardei maio
junto ao solto botão da calça
uma moeda velha
bololô de fios
e outros semi-deuses.


O acolhi
sua lilaleza, 
sorri:

"não sinto saudades, apenas uma mancanza,

Maio".

Mês que não existe.
       ao sul
       sem tempo
       delgado
       colorido
       rojo, amarillo
       assoluto. 

terça-feira, 8 de maio de 2012

Longe

Longe
Longilínea
Um traço longe
A seca dobra do teu corpo
Longe.

A pílula engolida rápido em avanço

Minha carne
     treme
Como teia
     De um juramento:

 O horizonte, sempre longe.



 Mas
        no fio da hora,
                Tua linha na garganta

É perto, perto,
                 Dentro dentro.



Um rio repleto de cristais de gelo nunca derretidos.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Da justiça




Da justa escolha,
da escolha do justo.

Da escolha.
Do justo.

Descansa
no fio de cabelo

que separa
a promessa
do esquecimento

em uma velha
foto
perdida

no fundo do armário.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Felicidade



A cada estalo
do corredor,

envoltos
em oblíqua luz:
o cansaço da lei,
o apetite de uma promessa.


Inspira-se
o verniz da manhã

em amarelo
marrom
branco;


o suspiro suspende
o justo tempo
de qualquer escolha.


E hoje,
resta-o tão-somente,
como passos
insistentemente
não rangidos.