sábado, 26 de junho de 2010

Amor



O amor vem do silêncio,
É urdido em seu ventre
abissal.

Depois desponta
num crescendo arisco;

Cintila
delicado
enxame de ecos

que,
Escalando ruídos,
Coletando cacos de ruínas,

- restos de humanidade, de história esquecida -

Se rebatem em arpejos,
Tragados pelo vazio
que os criou.

Até que,

Os olhos
- fechados -

O ser
- fendido -,

Torna-se audível:
O amor não é mais silêncio.

Letra apagada
que não é mais lei
não é mais.

Vida.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Um barco ou poema um pouquinho desafinado




Catei,
uma a uma,
as faíscas que caíam
da esquisita dança
de um começo,
que estalava
e girava em falso, agarrado
ao seu próprio fim.

Com cuidado,
construí um barquinho
com os restos que escapavam
dos nossos
olhares complacentes,
dos nossos carinhos sinceros,
nossos abraços em silêncio.

Não foi sem dor
que me despedi da embarcação
azul e laranja,
ornada de pequenas velas
amareladas,
que fiz para flutuar a esmo
e queimar sozinha
numa imolação quietinha
e escondida:

a capitulação
do ângulo reto
entre o sol e o mar.

Passada a exasperação
da oferenda;
descida a noite,
sobraram somente os olhos
ligeiramente avermelhados:
não sei se pelas rajadas do vento
marítimo
que bufava diante da canção
um pouquinho desafinada
que cantava o nosso tempo;

ou se pelo meu espelho
que, ficando para trás,
esquecido pela nau,
escurecera sem ninguém perceber.

Reflexo mesquinho:
qual o qual,
- índice de solidão -,
com um pouquinho de escárnio,
e bastante perplexidade,
estilhaçara-se ante o meu rosto,
cravejando pedacinhos de prata
na minha íris,

que, arqueada,
caravelava,
para frente e para trás
em busca de um lugar
para deitar suas costas
cansadas.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Da revolução




I – A lei

O brusco
abalo
do sereno
riso
craveja
a culpada
carne:

O grito.

II – Non liquet

O punhal
cai
da mão
do sacrificador:
sua ablativa
pupila
é abjurada

Do mito.

III – A catástrofe

O corpo
devastado
restituído
tateia
a ferida
aberta
do silêncio:

Sem sangue.

IV - O anti-Éden

Nossa queda
Nu sem mácula
Voz absoluta
Index veri.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Às vagas




Como o primeiro homem –

mil léguas arrastado pelo vento
ao ver seu rosto refletido –

Depuro em mim
A estranheza em um vulto familiar.

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Tua lembrança clama
Minhas mãos ressequidas,
Meu hálito breve.



Mas,
refreados subitamente,
Já não podem tocar
O corpo que é informe:

Que, no desluzir-se,
é arrancado

- gota a gota –

para a quina do ser.

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No eco do gesto interrompido,
Sinto reverberar,
Como ondas nascendo de uma gruta,
Aquilo que afaga meus cabelos,
Consola o ocaso do eterno,

Suspende,

Suspende,

Suspende:


o silêncio.