sábado, 14 de maio de 2011

Amores suspensos




Cinzas
enlevadas
pela torrente quente;
vultos em solo queimado.

Na finestrina,
chamas dançam
velhos
negros
vapores,

espectram a palavra ao chão,
habitam o liame do tempo.


Vê-se:
quem sou.

O vento
- maios -
na casa:
espreitando,
secando a terra.

Vê-se:
quem fui.

O vento
- um sonho -
em terreno baldio:
espraiando
tempos idos.

domingo, 24 de abril de 2011

Estática




Entre
mim
ti
a morte:

estática,

fios
ao infinito
descontínuos;

modulando-se,

pingos
em torno de si,
esbarrando,
tropeçando,
magnetismos,

sendo,
no presente,
fase interrompida,
e, no agora,

o silêncio alvo do avenir,
os ruídos brutos do passado:

estáticos.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Tacitum




Os olhos baixos,
dessacramento:

de manhã,
de surpresa;

suspenso;

do amor,
de degelo,

o silêncio.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Descolor




As unhas em suas costas,
ranhuras,
escorrem a seiva
que julgo destilar
com maior esmero:
verde, laranja, azul, amarelo,
vermelho.

Diante das cores,
os seus olhos
- desfalecidos -
dão as mãos aos meus,
quase se fecham,
ante a lembrança
- negativo -
ilembrável.

“Pálpebras cerrando-se
a escuridão quaseabrindo,
alvuras,
somente,
alvuras:
amor.”

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Amor em quatro atos



O simples gesto de suas pálpebras
navalha, em consternada negação,
o meu ofegante pedido,
promessa:

"- Estaremos mortos?
- Somente quando o chão,
onde repisamos este grande cansaço,
finalmente ruir."

Meus olhos,
que se recusam a fechar-se,
atestam o vapor que exala do encontro de nossas peles:

"Todo amor é uma violenta despedida".

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Bom dia



Feri meus olhos
quando as barras da noite
puíam suas dobras
nas extremidades do horizonte.

(sempre julguei os teus olhos
o ponto escuro que suga a luz.
Hoje porém faíscam seus cristais
à menor claridade).

Acordei sem dormir
fitando tua calma.

O tempo escorreu neste rebatimento
tão desigual;

imóvel, respingou e envolveu a aurora
de uma severa anunciação:
"Palavras não há àquele cujo desespero
torna-se cansaço".

Bom dia.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Poema corpo




O corpo reduzido sente tomarem-lhe ar;
suas pálpebras tremem o odor da manhã.

(O sol, pressionando as barras do horizonte,
invade os orifícios do quarto,
a acariciar as persianas).

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O corpo reduzido é privado,
mas também se basta.

Seu buraco no peito não sangra,
apenas morre a morte reduzida.

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(O grafite arrastando-se confuso,
imola-se sem piedade ante a folha em branco:
tenta reaver as lembranças levadas por sonhos).

Num impossível erotismo,
o corpo consome-se num dizer sem êxtase.

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De olhos bem abertos,
as pupilas pedem alívio.

O corpo reduzido não jura contudo,
somente espera o secar da boca,

a clemência das horas.