terça-feira, 18 de setembro de 2012

Rebouças




Há algo
para além do verso:
uma pedra não é
uma pedra.

a poesia lhe vira a cara.
se retira.

A vocação
do poeta
é comunicada
pelo abandono covarde
do morto
em plena via

lê-se
uma vida é
uma vida
e a pedra
é pedra
e asfalto
é o rosto
sem rosto

a poesia
repisa esse chão
cadeias lógicas
concreto pleno
para sorrir
ou desistir. 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Um corte



O corte é
um corte
e corte também
é ferida e cicatriz
rasura.

Como aquela vez
que era brincadeira
de adivinhação
você tinha 14 anos
eu 40.

Um corte
corta até a carne
opaca
o corte é pois
respiro opaco
como demonstra a lógica.

À luz do poste
esmagam-se seus mendigos
estes como lâminas
vão cerzindo
o corpo rijo da lei:

“O que quero de ti
é somente que me
deseje”.

Nem que seja
somente vermelho
o corte é um alívio
vermelho.

Ou somente
voz do decalque.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sobre o feminino





Há certa ironia
em querer seus olhos
e seu corpo
adentrar abismos

e querer
seus seios
tocá-los
tê-los
e não os ter
sem o flerte da destruição

e não sentir
vertigem alguma
apenas os ter
pele contra pele
retina contra pálpebra

(pois seus olhos fecham
e os meus tergiversam
o impulso
de penetrá-los
profundamente).

Há certa tristeza
em tê-los
e certa violência
em tê-los
pois há

(que o desejo seja uma promessa e um segredo)

na fricção
meus dedos e sua pele
um jogo impassível:
eu detenho somente o desejo
você, a promessa e o segredo,
quebranto de 2+2=.

É uma verdade terrível
não haver para mim,
para você,
um ponto de partida
e outro de chegada

haver uma tristeza
e sombras de ancestralidade

e certo cinismo
que é o feminino
(o sinto em seus lábios).

E fogo.
E desejo.
E mutilação.

Pois seu seio sopra
o sopro do desejo.
Ele segura a chave
e um sabor férrico
de corte.