sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Uma canção de espera II



Aquela vez que

sempre
agora:

uma palmeira esboça
o sol
sempre

a oeste,

um amanhecer
sempre
inventado,

em barbantes
suspenso,

sempre
à espera.

domingo, 27 de novembro de 2011

Moi, le femme



Entre meios,
entre-coxas,
entressangue,
entre...

Entre:

aqui,
aqui,
aqui.

Aqui
não há eu,

não há,
não há,
não há:

moi.

A mulher não há.

Há,
entre meios,
sobre-coxas,
moi, le femme.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Resto



De todo este cansaço,
resta a mão
que tateia o escuro;

dela,
a réstia:
frestas
de gestos em falso;

contornos
amarronzados
na branca parede;

um espelho
que brilha e se apaga:

átimo indesejável,
corpo entretocado,
um carinho no esquecido,

penhor e latência
da urgência
deste cansaço.

domingo, 4 de setembro de 2011

Força fraca




Cai
a matéria:
a inércia da matéria.

E,
no infimíssimo,

cinde-se
amor:
promessa-amor.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Auréola




Não é nada:
é só o céu expandindo,
colidindo-se em curiosa dobra
na altura de seus limites.

Não é nada:
são só as cores de um sopro
descendo em linha ígnea
até as paredes do diafragma.

Lá, diz-se,
captura-se uma estrela
e se a deixa apagar.

Depois,
é só outro vazio:
não é nada.

sábado, 14 de maio de 2011

Amores suspensos




Cinzas
enlevadas
pela torrente quente;
vultos em solo queimado.

Na finestrina,
chamas dançam
velhos
negros
vapores,

espectram a palavra ao chão,
habitam o liame do tempo.


Vê-se:
quem sou.

O vento
- maios -
na casa:
espreitando,
secando a terra.

Vê-se:
quem fui.

O vento
- um sonho -
em terreno baldio:
espraiando
tempos idos.

domingo, 24 de abril de 2011

Estática




Entre
mim
ti
a morte:

estática,

fios
ao infinito
descontínuos;

modulando-se,

pingos
em torno de si,
esbarrando,
tropeçando,
magnetismos,

sendo,
no presente,
fase interrompida,
e, no agora,

o silêncio alvo do avenir,
os ruídos brutos do passado:

estáticos.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Tacitum




Os olhos baixos,
dessacramento:

de manhã,
de surpresa;

suspenso;

do amor,
de degelo,

o silêncio.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Descolor




As unhas em suas costas,
ranhuras,
escorrem a seiva
que julgo destilar
com maior esmero:
verde, laranja, azul, amarelo,
vermelho.

Diante das cores,
os seus olhos
- desfalecidos -
dão as mãos aos meus,
quase se fecham,
ante a lembrança
- negativo -
ilembrável.

“Pálpebras cerrando-se
a escuridão quaseabrindo,
alvuras,
somente,
alvuras:
amor.”

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Amor em quatro atos



O simples gesto de suas pálpebras
navalha, em consternada negação,
o meu ofegante pedido,
promessa:

"- Estaremos mortos?
- Somente quando o chão,
onde repisamos este grande cansaço,
finalmente ruir."

Meus olhos,
que se recusam a fechar-se,
atestam o vapor que exala do encontro de nossas peles:

"Todo amor é uma violenta despedida".

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Bom dia



Feri meus olhos
quando as barras da noite
puíam suas dobras
nas extremidades do horizonte.

(sempre julguei os teus olhos
o ponto escuro que suga a luz.
Hoje porém faíscam seus cristais
à menor claridade).

Acordei sem dormir
fitando tua calma.

O tempo escorreu neste rebatimento
tão desigual;

imóvel, respingou e envolveu a aurora
de uma severa anunciação:
"Palavras não há àquele cujo desespero
torna-se cansaço".

Bom dia.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Poema corpo




O corpo reduzido sente tomarem-lhe ar;
suas pálpebras tremem o odor da manhã.

(O sol, pressionando as barras do horizonte,
invade os orifícios do quarto,
a acariciar as persianas).

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O corpo reduzido é privado,
mas também se basta.

Seu buraco no peito não sangra,
apenas morre a morte reduzida.

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(O grafite arrastando-se confuso,
imola-se sem piedade ante a folha em branco:
tenta reaver as lembranças levadas por sonhos).

Num impossível erotismo,
o corpo consome-se num dizer sem êxtase.

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De olhos bem abertos,
as pupilas pedem alívio.

O corpo reduzido não jura contudo,
somente espera o secar da boca,

a clemência das horas.