sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Terças menores

[You may tire of me as our December sun is setting because I'm not who I used to be. No longer easy on the eyes, but these wrinkles masterfully disguise the youthful boy below.]

Ela sabia claramente que não estava em um sonho porque, nos sonhos, os sentimentos não são divididos. Pode haver dúvida em um sonho, mas ela é em si o sentimento como um todo.

No entanto o cenário colaborava: mesas vazias, folhas de meia-estação caídas no chão, um fim de tarde pouco exemplar, friozinho que anunciava garoa no dia seguinte. Tudo parecia um sonho.

Tudo parecia um sonho, menos a angústia que ela sentia - que é típica daqueles que vivem. Uma angústia de estrutura cíclica, que crescia de dentro do mais fundo Eu e chegava a se materializar em forma de soluço. Uma angústia que irradiava fragmentações: a angústia era em si a repartição da alma, que se olhava no espelho e sentia a separação entre o seu Ser real e a sua imagem refletida.

[But now he lives inside someone he does not recognize when he catches his reflection on accident.]

Essa angústia era com certeza um acorde: o desarranjo de uma terça menor que, no velho piano da sala de estar, tocava sempre a mesma tecla, formando uma melodia repetitiva... e linda. A cada nota, o significado crescia até irromper num acorde; numa lágrima.

Ela sabia que nada havia mudado: que continuava a ser aquela garota que sonhava em se libertar do chão para fundir seu corpo aos sentimentos mais puros que havia dentro dela. Seu coração continuava a ser uma janela, apenas uma passagem para o mundo lá fora.

[On the back of a motor bike with your arms outstretched, trying to take flight, leaving everything behind. But, even at our swiftest speed, we couldn't break from the concrete in the city where we still resigned.]

Mal sabia ela que não se compõem canções durante o sono.

Mal sabia ela que almas sem projeção no espelho não criam terças menores.

Mal sabia ela que sentimos uma angústia que nos quebra em pedaços porque estamos arrancando de nós mesmos a melodia a ser escrita.





Ela não sabe que seu coração percebe tal processo de composição. Ele sim tem consciência de que é essa melodia que nos puxa com uma cordinha, fazendo-nos sentir que, enfim, estamos deixando o chão.

[Cause now we say goodnight from our own separate sides, like brothers on a hotel bed.]

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