sábado, 17 de outubro de 2009

A fábula do estrangeiro



Andou em direção ao mar com passos curtos, decididos. Sentiu aquele estranho bafo quente e salgado grudar em seu rosto, penetrar seus sapatos: o resto de si, que o mantinha em pé, cedeu à areia molhada que afundava a cada gesto. Caiu de joelhos, depois de costas, crucificado em água e sal.

Abriu os olhos e sentiu a lua exercer uma enorme gravidade negativa: seus raios de luz pesavam sobre seu rosto - ou era seu pesar mesmo que se confundia com o da lua?

Só soube do delírio em que havia se jogado quando perdeu o equilíbrio entre sufocar-se e extasiar-se, entra a lembrança e o sonho. Veio a angústia, velha companheira: mãe protetora e carinhosa.

Mas era tarde demais: as células do seu corpo já se confundiam com os cristais de silício e com a água. Isso era um sentimento completamente novo, assistir à decomposição do eu e à fusão do corpo em pequenos orgasmos. Havia sim muita dor, é verdade, mas não havia quem senti-la... Ela se dissipava no afeto que dominava, enfim, seu corpo: se sentia completamente estrangeiro, no entanto sem angústia, sem lamentação.

Apenas estranho.

5 comentários:

Diane Muste disse...

"ceci n'est pas une fabule"

Diane Muste disse...

"ceci n'est pas une fabule"

André disse...

Havia sim muita dor, é verdade, mas não havia quem senti-la.

André disse...

destaco pq gostei.

Muza disse...

"Nosso lirismo, assim, não se fecha: ele se estende infinitamente, se esparrama em cada dia,
em cada hora, em cada minuto"

posso dizer que ler assim é um prazer e que achar leitura assim é um prazer maior ainda.

entendeu? quero dizer que seu texto é lindo. condensado nos mínimos detalhes de aflições e descrições perfeitas.