sábado, 11 de janeiro de 2014
Dos anjos
Como quartzo entrelaçado
abraço suspenso
é manhã.
Quarteirões sobre quarteirões
da planície salgada
nós andamos sobre a terra
esquecida pelo esquecimento
é sempre manhã.
Ela é um mosaico.
Às hastes de granito
os quarteirões se friccionam
da fricção o calor é nulo
apenas a dilatação silenciosa
de sua íris furta-cor.
Mas nosso beijo fez
o impossível
saltar, sustou-se
e qual metal fundido
tilintou batendo asas
acima do chão
de concreto após concreto.
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
3 mortes
3 mortes
Cena I
Seu
olhar escapa
seu
olhar atravessa
escorregadio
entre
uma brincadeira
e
outra um rodopio
inebriante
sobre a
certeza
“você
tem os olhos dele”.
Cena II
Há
aquele diário
nele
uma entrada
sobre
a mulher loira
nem
faço ideia
“ –
o que foi feito dela?
– virou poeira no fundo do fundo
da mente: ataxia do desejo
de um fantasma”.
Cena III
Um telefonema à noite
do outro lado um choro
meu coração bate
era engano ou trote
daqui
a noite engole o choro
plano, em silêncio
sei, algo estranho
cresce em você
e esta noite se
tornará inquietante
imagem
de sua vida em
ausência.
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Amoreira
Diz que
se chama providência
essa coisa de
acaso.
Pois que
aqui
não pode havê-lo:
há as ruas
e nelas mesmo
as vielas
têm suas ocupações:
de pernas cruzadas
na contravenção
se sopesa onde
está o amor
onde diabos
o coração mora.
Pois que
se diga muita coisa:
apaixonamento de gente
analisada
localizando o objeto
descascando o desejo
reformando a memória.
Visto de frente,
é coragem.
Meio de viés,
de ladin
é só medo mesmo.
E o argumento
toma tombo
feito aquela troça
de menino
que um empurra outro põe o pé.
Pois que é assim
que a gente lembra
que nossa decisão
já foi faz tempo
e a recordação
é um tiro no olhar
certeiro
e que põe a gente a chorar
não que a vida é difícil
mas que ela vem
de toada
nem dá tempo de proteger
é enxurrada.
Diz que é acaso
e eu acredito
mas no meio do dilúvio
sei que seu
coração (o músculo)
parou
e eu encontrei
a única amoreira
de São Paulo.
quarta-feira, 9 de outubro de 2013
Ângulos de uma manhã
De um ângulo
o sol inflete
e é apenas o sol
na sacada
é apenas manhã.
De outro
são seus cabelos
tarrafa negra
eram cacheados
lisos e presos.
Outro ainda
são seus músculos
deduzidos daquela
alvura toda
de madona.
E no mais
os lençóis é mosaico
e as horas são gentis
caleidoscópio
do que chamam “felicidade”.
Contudo
aquele ângulo absoluto
onde o sol não habita
a luz não refrata
a história para.
A seca perspectiva
do tempo da morte
um mendigo ao chão
se move neste ponto cego
que parece uma penetrante
obtusidade.
São seus olhos
este monumento
onde todas as palavras
refugam
com medo
deste inexplicável ruído
um deus sem obra
é o movimento das pálpebras
recortando a súplica
sem fundo
destes teus olhos
domingo, 15 de setembro de 2013
Era só uma sombra larga
Queria
ler aquele poema
do
Drummond
da
mesa cheia
mesa
vazia.
Queria
saber
que
seus olhos cinzas
veem.
Queria
uma
lembrança cintilante
Cajuru
nos anos 30
um
caco de vidro
garrafas
de leite
o
guincho de um porco
e a
tal mangueira
tão
impossível
no
quintal
que
já nem é nosso.
Queria
molhar
seus
pés de menina
descalços
no terraço
prendados
na praça.
Auscultar
sua música
um
traço borrado no
horizonte
entre
a luz
e a
sombra.
Lamber
suas pálpebras
pesadas
nas
madrugadas longas.
Queria
um chão familiar
chão
batido sobre outro
mais
ancestral
sobre
este
um
outro mundo
pra
lá de lá
onde
chove sal e o sol
não
fala português.
Queria
te chamar de tu
te
chamar de tu
quando as ilações
da
varanda
grassam no você.
Adentrar
sua dor
aquela
dor
tão
bem inscrita
rajada
em cinza.
Queria
ser poema
aquele
do Drummond
aquele
esquecido,
sabe?
Pra
sempre resto
folha na gaveta
folha na gaveta
uma
imagem:
a
mesa cheia
agora
vazia.
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